sábado, 22 de novembro de 2008

NETiqueta e a inclusão digital.


Os professores do meu colégio de primeiro grau costumavam perfilar os alunos em frente à escola, onde estavam hasteadas as bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul e também do colégio. Alunos eram selecionados para hastear as bandeiras, o que era considerado um privilégio. Ao mesmo tempo era cantado em coro o hino do colégio, que falava sobre "a busca constante do ser", a amizade e outras virtudes, além da honra de levar adiante na vida futura, os valores aprendidos naquele convívio.

Aquele era um colégio público, localizado em uma zona de classe média da cidade, o que significava que tínhamos colegas de todas as classes sociais, desde filhos de empregadas domésticas e operários, até filhos de profissionais liberais, comerciantes e outras pessoas que podiam pagar um colégio particular, mas ainda confiavam na educação pública. A relevância disso, é que principalmente os alunos de famílias mais abastadas aprendiam a respeitar os outros colegas menos providos, nem que fosse na base do tapa.

Naquela época, a década de 80, o futuro para nós seria nos formarmos, trocarmos de colégio, frequentarmos clubes (ou não) de acordo com nossa faixa de renda, irmos ou não para uma faculdade, escolhermos uma profissão e buscarmos os círculos de convivência de acordo com nossa preferência, onde iríamos interagir com pessoas da nossa escolha. Era tudo muito concreto e plausível e cada um com certeza comprendia seu status e seu papel no grupo. Se quiséssemos nos destacar, teríamos que fazer por merecer. Não havia como se esconder atrás de aparências, exceto é claro pelas histórias românticas que víamos nas novelas da Globo.

Mas o futuro mudou e hoje em dia é tudo diferente. Com a internet, veio a voz para todos. Consumimos e produzimos informações no mesmo ritmo. Disponibilizamos cultura pelo meio virtual da mesma forma que a Rede Globo. Isso fez com que surgissem comunidades virtuais para discussão de assuntos de todos os gêneros, desde o cultivo de hortas comunitárias até a política na arrancada. O problema é que nem todo mundo tem capacidade para controlar um meio de informação de forma minimamente decente.

Ao entrarmos em uma lista de discussão ou fórum virtual, não sabemos de fato quais são as regras. Podemos saber aquilo que nos é divulgado no momento da filiação, mas nada garante que as coisas sejam realmente daquele modo, pois não há lei que regule isso. Não é possível saber, por exemplo ao filiar-se ao clube do honda, que seus mantenedores são jovens de classe média alta sem responsabilidade e que irão censurar qualquer coisa que você disser, quando eles não gostarem. Como por exemplo, comentar positivamente sobre um video de uma arrancada em local adequado, na qual um honda vence um carro com motor V8: Quem em sã consciência vai imaginar que ao exaltar um honda, no clube do honda, está se arriscando a ser excluído? Que os caras são um grupinho de veoiteiros enrustidos? E sabendo como são as regras reais, que tipo de pessoa continua filiada à um clube assim?

Por isso as verdadeiras regras ficam sempre ocultas.

Outro problema virtual, é que as pessoas podem se esconder atrás da tela de seu computador, através dos famosos "fakes", falando assim o que bem entendem, mas sem revelar sua identidade evitando covardemente qualquer retaliação. Frequentemente pessoas são pegas discutindo consigo mesmas ou se auto-adulando publicamente com seus perfis falsos e verdadeiros de internet. O que é no mínimo patético...

O ponto é que em um convívio virtual de pessoas que estão muito distantes entre si, não existe o respeito decorrente do medo de levar um cascudo quando faltar com a educação. É como aquela criança que vai ao zoológico e fica provocando o macaco dentro da jaula: Enquanto existe uma distância segura, ela irá agir da pior maneira, sabendo que irá ficar impune. Mas algumas vezes quando essas "crianças" virtuais calculam mal a distância, mexendo com gente que está perto demais, a coisa acaba em tragédia, como ocorreu alguns anos atrás na Nilo Peçanha em uma briga causada por desentendimentos iniciados pela internet, na qual um rapaz caiu de cabeça no chão e acabou morto.

Quanto menor o nível cultural e ético da pessoa no comando da comunidade virtual, maiores as chances de o associado estar se colocando a mercê de situações potencialmente desagradáveis, de estar se colocando na posição de um macaco preso numa jaula, enquanto as crianças mimadas lhe atiram pedras toda a vez que ele não fala em uníssono com o restante do grupo.

Em um país de contrastes muito maiores que uma escola pública em um bairro de classe média, sabe-se lá quem irá se filiar à comunidade virtual da qual você faz parte. A inclusão digital vem dando acesso aos pobres - eu me refiro àqueles que não tem dinheiro - à esse mundo virtual. E isso é uma grande coisa, pois nesse aspecto todos os brasileiros ficam no mesmo nível...

Será?

E os pobres de espírito? Os deficientes em valores? Aqueles que cresceram em um apartamento acarpetado de 80 mm, não jogaram bola no campinho com um mendigo "atacando no gol" de seu time, não correram de carrinho de lomba, não ralaram os joelhos e não aprenderam que o respeito é bom e conserva os dentes?

Esses podem estar incluídos digitalmente, mas e socialmente? Moralmente? Essas pessoas na minha opinião deveriam ser presas na jaula dos macacos, mesmo que pra isso os macacos tivéssem de ser soltos, pois eu acho que eles atrapalhariam menos.

Educação e boas maneiras, respeito, valores elevados em geral, é muito para pedir. Mas quem sabe, já que o convívio é somente virtual mesmo, essas pessoas não poderiam aprender ao invés de etiqueta, a NETiqueta?

Provavelmente não.

Só nos resta esperarmos a microsoft e os fabricantes de computadores implementarem o "shock". Será um dispositivo similar ao "chacoalhar" do msn, só que ao invés de tremer a tela e fazer barulho, o interlocutor mal-educado levará um belo choque de 20 000 volts.

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