Survivor of the fittest = sobrevivência do mais apto |
Lá estava eu, ao lado da casinha da cronometragem, olhando a tela dos 25 mais rápidos das classificatórias da ND7, da qual seriam extraídos os nomes que integrariam dali a pouco o tão almejado TOP16. Ao meu lado está um velho conhecido dos tempos dos rachas de rua, procurando seu nome na tabela. Conheço de vista o carro do rapaz e fico um pouco triste por ele, pois tanto quanto eu imagino, é impossível que esteja entre os 25 primeiros de uma lista de mais de 110 carros.
Muita coisa mudou desde os primeiros TOP16 no Velopark. Naquele tempo, por mais divulgação que se fizesse, dificilmente conseguíamos que os 16 mais rápidos fôssem reunidos no final da noite para disputar a eliminatória. Pela falta de tradição, de informação, de disposição... Quando chegava o momento do TOP16, muitos simplesmente já tinham ido embora do autódromo. Apenas os mais comprometidos com a Associação Desafio realmente ficavam e a lástima maior era que todos os outros perdiam simplesmente a cereja do bolo: Os momentos mais emocionantes para pilotos e público, que eletrizavam até mesmo aqueles que nem gostavam tanto assim de carros e por algum motivo tinham ficado até o final, provavelmente trabalhando no evento ou acompanhando alguém que iria correr.
Sem falar que nas primeiras edições do TOP16 o nível dos carros era ainda muito desigual. Tínhamos em média 4 ou 5 carros com performance para disputar a vitória e os outros eram corajosos pilotos de carros não tão rápidos, que entravam na pista com bravura e não deixavam a peteca cair, mais orgulhosos por fazerem parte da elite da competição do que preocupados com suas chances de vencer.
Mas naquele tempo, apesar disso, ainda era possível que um piloto chegasse com um carro não tão rápido e "tentasse a sorte": Caso ele tivesse um desempenho impecável e os adversários mais fortes tivessem algum tipo de problema, existiria uma chance real de vitória. Foi o que ocorreu no TOP16 de dezembro de 2009, quando Fabiano Krentz com seu Astra turbo de rua venceu Bernardo "chimia", com seu GTi 16v turbo também de rua - ambos carros de pouco menos de 13 segundos nos 402 (pouco menos de 9 seg nos 201) na final do TOP16. Isso no Velopark, o que significa que provavelmente seriam carros de 9,5 na difícil reta de Tarumã. Mas assim mesmo, de alguma forma aqueles dois pilotos levaram seus carros à final numa eliminatória em que participavam carros que beiravam os 10 segundos (casa dos 7 nos 201) e passavam bem acima dos 200 km/h nos 402m.
A arrancada de verdade, com eliminatórias e enfrentamento direto, é uma caixinha de surpresas, muito mais até do que o próprio futebol. Ainda assim, seria muito difícil imaginar nos dias de hoje, uma final de TOP16 entre dois carros pesados, com tração dianteira e sem pneus drag na reta de Tarumã. Por isso mesmo fiquei umm pouco triste pelo nosso amigo lá do início, que estava comigo olhando a tela da Produpark com os 25 mais rápidos da ND7. Sabendo o tipo de carro que ele pilotava, aquele panteão deveria simplesmente estar fora até mesmo de suas aspirações.
Até que meus devaneios são interrompidos por um desabafo do meu conhecido:
"-Putaquipariu!" Soltou o decepcionado piloto.
É que o multivitorioso Sérgio Fontes - cujo nome ainda não estava na tabela - havia acabado de dar sua passada e classificado na 12a posição. Com isso o nome do nosso amigo que estava na 25a havia acabado de passar à 26a e consequentemente caido fora da tela.
Ele estava decepcionado e eu surpreso! Pela lógica ele estava bem até de mais, mas como dizer isso a ele? Tentei então ingenuamente consolá-lo e o diálogo foi mais ou menos assim:
Eu - Ah, mas até que de 110 carros... 26o não é tão mau...
Ele, não muito convencido: - Pois é...
Eu - Pra ficar nessa lista não é fácil, talvez terá que fazer uns upgrades...
Ele - Mas o que?
Eu - Ah, coloca uns pneus slick...
Ele - Já tenho.
Eu - Então coloca uma garrafa (de nitro)...
Ele - Já tenho.
Eu - Então sei lá... Coloca uma turbina!
Ele - Meu carro é turbo.
Conforme eu fui ficando sem opções, comecei a me dar conta de que após 7 edições do TOP16 em Tarumã e mais aquelas tantas outras no Velopark, as coisas estavam começando a mudar. A própria lista dos 25 mais rápidos é quem dizia isso com toda a clareza, a quem quisesse de fato saber.
Dos 16 classificados para o TOP, 4 eram os melhores tração dianteira que frequentam Tarumã, todos eles certamente entre os 400 e 500 cv, senão mais: O Passat de Gilberto Quadros, o Kadett de Roberto Ramos, o Gol de Sérgio Fontes e a Saveiro de Jalmo Peyrot.
Outros 4 eram Fuscas: Pipino, a figurinha mais carimbada de Tarumã com seu Fusca "all business", Anderson "Boca" Martins e seu Fusca foguete, que anda em 10 segundos nos 402m, Bráulio Rocha, campeão (conjunto com Daniel Machado) do TOP16 da ND6 e o Fusca verde de Luis Fernando Almeida, o único carro capaz de entrar no TOP16 sem pneus slick, o que nos dias de hoje é um feito em si.
Para completar a lista, o bom Opala Aspirado do Dewes e nada mais nada menos que 7 Chevette, com motores dos mais variados, mas todos com pneus drag: Paulo Rebello, campeão do TOP16 da ND2 e runner up no TOP16 da ND1, Valdenir de Borba, Darcio Ribeiro, Vladimir Torres, Fabricio Chicon, Marco Antônio Rodrigues e Alex Machado. Sem falar no Chevette de Daniel Machado (vencedor doTOP16 da ND6 conjuntamente com Bráulio Rocha) que classificou em terceiro, mas não pode correr o TOP16 devido à falhas em seu carro.
Em resumo, todos carros bastante rápidos, em sua esmagadora maioria com a vantajosa tração atrás, todos exceto um com pneus drag slick e pilotados por pessoas que lá estavam especificamente para disputar a eliminatória. Não havia lugar ali para um incauto e seu "carrinho de rua", mesmo que esse tivesse 1000 hp. Ali tratava-se da sobrevivência do mais apto e essa é a principal lei da evolução.
Trata-se não só de uma evolução nos tempos, mas fundamentalmente uma evolução de comportamento. Um dos maiores paradigmas limitadores do esporte arrancada está sendo enfrentado com coragem pelos pilotos e organizadores das Noites do Desafio: A auto-limitação proposital.
Não há mais lugar para desculpas como: "meu carrinho é de rua", "turbo b não usa slicks", "teu carro é força-livre", "o meu é aspiradinho" ou ainda "não somos da mesma categoria". Os TOP16 tem o propósito específico de não ter categorias, pois tudo é baseado na ideologia de que handicaps na verdade tornam os carros mais lentos, o que todos concordam, mas além disso também mais caros. Limitações de regulamento são vistas por muitos como uma forma de baratear, mas ao mesmo tempo sabemos também que quem tem dinheiro para gastar no carro vai gastá-lo, independentemente de regulamento.
Como? Simples: Se não pode turbo, então usa-se nitrometano. 10 litros desse combustível custam o mesmo preço de uma turbina. Não pode pneus? Gasta-se então o triplo desse valor com rodas Weld forjadas de último modelo. Não pode aliviar peso? Gasta-se então o dinheiro das peças de fibra e dos vidros em Lexan todo ele em dinamômetro, todo ele e muito mais. Sem falar nas caixas de câmbio forjadas, peças de motor caríssimas e principalmente as quebras, que são vistas como "normais" em provas em que o objetivo é a perseguição de um recorde, mais do que uma vitória sobre os oponentes. "Quebrou a caixa forjada? Pega uma das 3 reservas lá no box!"
A vitória é um vício e aqueles que aspiram a ela com fervor vão usar de todos os meios possíveis para atingí-la. Se um certo piloto possui melhor condição financeira ele encontrará uma forma de usar esse recurso para vencer, com ou sem regulamentos. Se não for em certas peças será em outras e se sobrar dinheiro ele será gasto em testes, treinos, dinamômetro, experimentos. De qualquer forma resultará em desvantagem para quem tem menos. É a lei da selva de pedra e isso vai muito além do esporte, é uma lei para a vida e não há o que se possa fazer quanto à isso.
O TOP16 e seu funcionamento são fundamentados no princípio que o nível do esporte amador está de certa forma tão baixo no momento atual, que regulamentos mais livres não encarecem o esporte e sim liberam o potencial que os pilotos e mecânicos tem para andar rápido, mas não sabem, pois é cultura vigente no esporte hoje a auto-limitação, seja ela expressa num regulamento de categoria ou implícita na mentalidade dos amadores, diretamente influenciados por anos de competição seguindo esses preceitos.
Ainda assim parece contraditório? Lembremos então das duas últimas provas: Na ND7 o vencedor foi o fusca do Pipino, que usa quase todos os recursos possíveis, mas quem tem coragem de dizer que o Pipino ganha na base da grana? Daniel Moresco não é dono de concessionária ou filho de banqueiro e sim motorista de ambulância, provavelmente com muito orgulho.
Será o Fusca dele o carro mais caro do grid?
Não há nada de errado em ter um carro caro, não é algo para se envergonhar! Afinal, é uma lei natural do automobilismo que o dinheiro seja UM FATOR decisivo. Mas quando somente os carros mais caros tem chance e quando o dinheiro investido é O ÚNICO FATOR que faz a diferença, a competição cessa de ser ESPORTE e se torna um desfile de status quo.
Essa ética na minha opinião é algo que falta na arrancada e ao que parece vem se solidificando no TOP16. Nas eliminatórias da ND6 houve o polêmico empate entre Bráulio Rocha e Daniel Machado. Esse impasse deu origem a diversas discussões nas oficinas e na internet, sobre quem dos dois seria o "mais playboy", logo o que teria menos méritos em sua vitória. Acusações dos fãs do Fusca alegavam que o Chevette era "de rico" e o Fusca era "de pobre" enquanto os fãs do Chevette diziam que o pessoal de sua equipe também era trabalhador e ninguém tinha "vida fácil", que o carro havia sido montado com sacrifícios, como qualquer outro.
Nem tanto ao céu e nem tanto à terra é o que diz o ditado. Assim como arrancada não é competição de quem é mais rico, também não deve ser a competição de quem é mais pobre, mas o positivo disso tudo é que no fundo o que está sendo exaltado é a capacidade de obter resultado com aquilo que se tem. E esse é o espírito!
E na ND8, que mais uma vez vença O MELHOR. Rico ou pobre, porém com paixão, ética, mérito, determinação, raça, competência e também orgulho. Afinal, esses, muito mais que o saldo bancário, são os valores que forjam um gigante em qualquer esporte.
Belo texto! Gostei quando vc diz: -" ... paixão, ética, mérito, determinação, raça, competência e também orgulho. Afinal, esses, muito mais que o saldo bancário, são os valores que forjam um gigante em qualquer esporte." Até pq "potência não é nada sem controle" não é mesmo? Abraço
ResponderExcluirBelo texto, parabéns !!
ResponderExcluirnão sei cara...este assunto de grana nas corridas para mim é um dos mais delicados de se falar...as vezes o que é pouco para uns é muito para outros...
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