sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Outros Fatores

Charge de Phil Frank e Joe Troise, publlicada na revista Car & Driver:
"Ah... Nós não trabalhamos de verdade com carros aqui. Só discutimos sobre eles na internet."

Era uma vez, no mundo perfeito...

"E aí meu! E o teu carro, a quantas anda?

"Ainda tô comprando as peças..."

"Ainda?? Mas já fazem anos que você está juntando peças! Da última vez que eu vi sua estante, ela tinha mais peças do que a maioria dos carros que eu conheço! O que ainda pode estar faltando?"

"Já comprei o kit nitro direct port com acionamento progressivo da Venom, o turbo ceramic ball bearing da Turbonetics, blowoff e wastegate da HKS, o kit intercooler front mount da Greddy, as válvulas de inox da Ferrea, os comandos Crower special order, o coletor de admissão JG Edelbrock, o silencioso Flowmaster, a bomba Weldon, a tampa do cabeçote da Mugen, os emblemas estilo JDM e as polias reguláveis da Skunk2. Me falta ainda só pistão, biela, virabrequim, cabeçote e o bloco..."

"Entendo... Começou pelas peças mais importantes... Mas pra que tudo isso? Vai virar quanto no Velopark com essa "máquina"?"

"Bem, o meu amigo Chuck Bruce O'Neill, que tem um motor na mesma configuração lá em Massachussets, tem 431 whp, medidos no Dynoblaster da High Rev Import Power. Por aqui os carros com essa potência estão virando 11 altos e nos Estados Unidos, 10 altos. Com a mesma configuração, se eu virar "modestos" 11 baixos, pra mim tá bom"

Bem, talvez isso seja um fato plausível no mundo perfeito, nas mãos de um piloto perfeito, nas condições ideais de temperatura e pressão. Mas no mundo real, onde somos todos sujeitos às mais variadas condições, as coisas não acontecem bem assim.

A comparação de rendimento entre dois carros que ainda não se enfrentaram, não pode ser feita em bases tão simplificadas. Essa atitude só traz decepção e muitas vezes até faz com que o dono do carro acabe se retraindo, em função de ter prometido demais e não ter a certeza de que vai conseguir se manter à altura dessas promessas.

Assim, vemos os "pegas de prateleira", nos quais os desafiantes se ameaçam mutuamente, não através de palavras - muito antes pelo contrário, o discurso é sempre altamente amistoso - mas sim da postagem de fotos em fóruns de internet, das caríssimas e badaladíssimas peças já adquiridas que algum dia serão montadas em um carro, que talvez vá para uma pista de corridas. Jamais podendo esquecer, é claro, dos gráficos de dinamômetro de outros carros (de preferência em outros países) que utilizam essas peças.

Se os carros ficarem mesmo prontos um dia, e se, desafiando ainda mais a estatística e as probabilidades, os dois conseguirem coexistir, ou seja: Se um não quebrar ou desistir antes do outro conseguir ficar pronto, (o que é muito comum, pois em geral nesses casos são muitos anos de projeto, para alguns poucos meses de existência antes de desmontar) então poderá ocorrer realmente o acelera mitológico.

Entretanto, a única coisa certa é que em qualquer caso possível, esses carros em suas estréias, infelizmente não terão a performance imaginada pelo seus proprietários. Isso acontece sempre e tem um motivo muito simples, mas que muitas vezes é solenemente ignorado, de uma forma quase inexplicável: Uma corrida de arrancada é uma competição onde disputam dois pilotos, ao volante de dois carros. Não uma disputa apenas entre dois carros.

Carros são compostos por diversos sistemas, como suspensão, chassi, transmissão, elétrica, eletrônica e dentre esses, um deles é o motor. Apesar de ser o sistema mais complexo do carro, o motor é apenas um entre vários. E em sistemas, mais importante do que a qualidade de um ou outro componente, é o funcionamento equilibrado entre todos. Assim como em uma equipe de futebol, uma grande estrela não vence o jogo sozinha e o entrosamento do time conta muito mais.

Para conseguir esse "entrosamento" entre os componentes do motor, é necessário o trabalho de um bom preparador, que deverá saber indicar uma combinação de peças funcional, o que não significa necessariamente que deva ser uma lista de peças com marcas famosas. Se o preparador falhar nessa etapa, ou se o dono do carro agir como um presidente de clube teimoso, não comprando os reforços que o treinador (ou preparador) requisitou, optando por "jogadores estrela" (ou peças caras e da moda) então o time ficará desequilibrado, rendendo muito menos que poderia.

Uma vez que o motor tem bons componentes que funcionam bem entre si, ao contrário do que alguns pensam, ainda falta muito para garantir o resultado. Novamente como no futebol, só um bom plantel não garante a vitória. E para isso, o treinador analisa o potencial de seu time e traça as melhores estratégias, maximizando os pontos positivos da equipe. O preparador também faz o mesmo quando analisa o conjunto de peças montadas no motor e traça as estratégias de alimentação de combustível e curva de ignição que serão impostas ao motor nas mais diversas situações.

Além disso, no controle do carro de corridas há um ser humano. muito adaptável, porém também suscetível à falhas e variações de rendimento. E uma vez que estamos em uma pista de corridas, existem diversas variáveis de cunho técnico e emocional com as quais o piloto deve saber lidar na hora da disputa: Desde a percepção de que o dia está muito quente, o que requer um pequeno ajuste na pressão dos pneus, até o controle dos nervos ao alinhar com um rival poderoso. Outra parte importante do resultado na pista é saber avaliar e resolver pequenos problemas em seu carro, que acontecem sempre, independentemente da marca ou do preço das peças.

A incapacidade para resolver esses contratempos in loco, por menores que eles sejam, frequentemente resulta em grande perda de rendimento, impedindo o carro de mostrar seu real potencial. E nem é preciso dizer o quanto é ridículo um suposto "expert virtual", que passa vergonha com um motor que falha a reta inteira e ele nem nota, sendo que mesmo que notasse, não saberia sequer como se regula a folga das velas.

Assim, fazer uma "corrida virtual", baseada em especificações dos carros, ou pior ainda, das peças que farão parte do motor de um carro, é totalmente ineficaz, pois estão sendo analisados apenas pequenos fragmentos do que realmente é uma corrida de arrancada. No mundo concreto, motores mal pensados não dão acerto ideal e molham as velas, falham, rendem abaixo do esperado e ainda por cima tem tendência à quebra... E o pior de tudo: Quando não pilotamos bem, podemos ser vencidos por um rival ao volante de um carro inferior.

Então, antes de tentar prever resultados baseado em apenas uma pequena fração do todo, ou cair na tentação de nivelar tudo pelo dinheiro que foi gasto, lembre-se: Existem muitos outros fatores. Afinal, se não fosse assim, bastaria fazermos um levantamento das folhas de pagamento de todos os clubes e saberíamos de antemão quem seria o grande campeão do brasileirão, antes mesmo do início da temporada!

2 comentários:

  1. Muito bom o texto, comecei a montar um FL, depois de gastar rios de dinheiro e não correr, resolvi andar com meu carro de dia a dia na Desafio, confesso que deveria ter começado por aí...

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