quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Separando os homens dos meninos: O desafio de arrancar em Tarumã


O autódromo de Tarumã abriu os portões em 1970. Na época viria a ser o único do Rio Grande e tratava-se de uma inauguração muito esperada, pois traria novamente vida ao automobilismo gaúcho que outrora fora pioneiro, mas na época estava decadente e um dos motivos era que as provas em estradas não tinham mais a mesma viabilidade dos anos 30 e simplesmente não havia ainda um autódromo.

De lá para cá muita coisa aconteceu e Tarumã deixou de ser a única pista do RS, mas não a que tem mais história. E boa parte dela está relacionada com o fato de que Tarumã é uma pista que muitos temem, pois é conhecida como difícil e desafiadora, requerendo dos pilotos que lá querem ser rápidos, não só técnica, mas também coragem

Pelo que me lembro, uma dezena de pilotos já perderam a vida em Tarumã, mas creio que a morte que até hoje foi a mais chocante foi a de Pedro Carneiro Pereira que era uma personalidade pública do esporte na época. Seu Opala se enroscou com o do piloto Ivan Iglesias e o resultado chocante foi a trágica morte de ambos. Pedro Carneiro Pereira era narrador de futebol e sua morte foi noticiada ao vivo durante uma transmissão de rádio do jogo Internacional e São Paulo no Estádio Beira Rio: De lá, o repórter Clóvis Rezende informou a morte dos pilotos e Armindo Antônio Ranzolin, após narrar os primeiros 15 minutos de jogo, interrompeu as transmissões esportivas da emissora com o seguinte comunicado:
" Bem, este tipo de informação nós não estávamos preparados para receber. O Pedrinho corre há tanto tempo. Morre tanta gente nos autódromos, mas nós sempre imaginamos que, com o Pedrinho, isso não aconteceria. Confesso para os ouvintes da Rádio Guaíba que não há a menor condição para que o nosso trabalho prossiga. A partir deste momento, o Departamento de Esportes da Rádio Guaíba, hoje, vai encerrar as suas atividades. Nós não transmitiremos o jogo do Internacional e São Paulo, nem o jogo do Grêmio contra a Desportiva Ferroviária. Vamos colocar um ponto final na participação do Departamento de Esportes da Rádio Guaíba nesta Jornada Esportiva Ipiranga e nesta transmissão aqui do Beira-Rio"



Isso ocorreu em 1973 e desencadeou diversas consequências que muitos acreditam ter atrasado o desenvolvimento do automobilismo gaúcho em vários anos, em função de tamanho choque causado pelo incidente dentro e fora dos círculos do esporte a motor. Desde então a fama de Tarumã é algo mais ou menos como descreveu recentemente Andersom Toso, piloto do novo Brasileiro de Marcas:

“É a pista mais rápida do Brasil e não admite erro. E não adianta ser cuidadoso também porque aí o tempo não vem. Ou anda ou não anda. E olha que já destruí uma meia dúzia de carros ali. Errou, vai bater mesmo.”

Mas tudo isso é coisa do circuito, do autódromo, não tem nada a ver com as arrancadas, certo?

Pois bem, nem tanto. Nos anos sessenta, quando surgiu a idéia de construir Tarumã, arrancada não fazia parte dos planos e nem poderia mesmo. Mas isso significou que não houve preocupação nenhuma em fazer uma infraestrutura que fosse própria aos padrões desse esporte e como resultado a reta de Tarumã não conta com diversas características de uma pista própria para arrancada: Não há pista de retorno, só há muro de contenção de um dos lados, a reta só tem 201 metros úteis para arrancada e não importa onde seja realizada a largada pois o alinhamento será sempre em subida.

Além disso, com as tradicionais arrancadas realizadas à noite, no rigoroso frio riograndense, as condições de pista são não somente muito mais difíceis, mas também variáveis, como talvez em nenhum outro lugar. Por isso a reta de Tarumã é uma das mais difíceis pistas de arrancada do Brasil. E também uma das que mais decepciona os pilotos desavisados. Não foi uma nem duas vezes que vi pilotos acostumados a serem o centro das atenções chegando em Tarumã e fazendo tempos um segundo cheio mais lentos do que imaginavam e pior que isso: Apanhando para carros que costumam vencer com uma mão amarrada nas costas.

As brumas da reta de Tarumã já destruiram alguns carros e muitas expectativas. E inevitavelmente muitos se queixam. Mas eu discordo dos queixumes.

A maior crítica à arrancada não é justamente que é uma corrida sem curvas, onde conta muito mais o carro do que a habilidade do piloto? Bem, ao menos a nossa, enquanto os carros não atingem o nível de primeira classe no qual a habilidade de um bom piloto é tão importante quanto os 3000 ou mais cv do motor de um top doorslammer, funny car ou top fuel. Afinal, tudo que os pilotos desses carros mais desejam é que a arrancada seja assim: Reta. Ao contrário de seus carros que anseiam furiosamente por escolher caminhos próprios.

Mas enfim, se arrancada é pouco atrativa em função do pequeno peso do fator piloto, que maneira melhor de compensar isso do que uma pista desafiadora? Que melhor maneira de vencer corridas do que no lugar mais tradicional e difícil do Brasil?

Onde mais se pode ganhar uma corrida de arrancada no braço?

O Velopark é o "templo de concreto", é a melhor dragway do Brasil, não resta dúvida alguma. É o lugar onde um carro mostra tudo de que é capaz. Quem não quer testar os limites de seu carro? Quem em sã consciência não se interessa por saber do que de fato seu carro é capaz? O Velopark tem suas qualidades inegáveis, mas não tem a alma de Tarumã.

Mesmo falando em arrancada não alcança a tradição de Tarumã, muito menos sua mística. Se o Velopark é a pista dos carros, Tarumã é a pista dos pilotos. Qualquer um anda forte com praticamente qualquer coisa no Velopark. Tarumã não é tão condescendente.



Na final da ND7 entre os Fuscas de Daniel "Pipino" Moresco e Anderson "Boca" Martins a reta de Tarumã mostrou mais uma vez sua natureza e provou que assim como o circuito, também deve ser respeitada.



Me arrisco a dizer que no Velopark o Fusca branco teria levado a vitória, mesmo sendo um carro mais pesado e com menos pneus. E quem estava lá viu que o Boca estava mesmo com muita vontade e que o fusca tinha muitos cavalos. Talvez um pouco até demais. É lamentável, mas faz parte. O cara saiu do carro andando e está com perfeita saúde, isso que de fato é o importante. Tenho certeza de que em breve até mesmo o Fusca estará em boa forma.

E Boca não é o único. Diversos carros já sofreram as consequências do "relevo" da reta de lá. O próprio Paulo Rebelo (vencedor do top16 da ND2) e piloto muito acostumado com as noites frias do Racha Tarumã teve recentemente um acidente com seu Chevette Hatch, que teve perda total do monobloco.


Pode acontecer a qualquer um.

 O fato é que não se corre à noite em Tarumã porque é fácil ou porque "vem recorde". Em Tarumã o carro não anda sozinho e como as condições mudam durante a noite toda, não dá pra enfiar o pé na lata, trocar as marchas com o engate rápido sem tirar o pé do acelerador e deixar o booster de CO fazer todo o trabalho. Na melhor das hipóteses você irá patinar a reta toda, mas dependendo do tipo de carro pode acontecer coisa bem pior.

A reta de Tarumã é difícil, perigosa, nela os tempos são mais altos e nem sempre quem tem mais potência vence. Para alguns essa é a descrição do horror, mas existe uma compensação. Uma única e valiosa compensação que torna menores todas as dificuldades:

Tá molhado? Mas é molhado para os dois. E então um sobressai. 

Havia um cara... Um piloto que soube tirar proveito de algumas situações assim. Acho que lembram dele:




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