O chamado círculo vicioso é uma sucessão, geralmente ininterrupta e aparentemente infinita, de acontecimentos e conseqüências desfavoráveis e inevitáveis, mas que se realimentam mutuamente tornando a situação quase impossível de reverter, pois ação e reação se tornam muito dificeis de identificar.
Já o círculo virtuoso é a mesma coisa só que ao reverso: É uma sucessão contínua de ações e reações que se realimentam sem causas e consequencias facilmente identificáveis, mas o resultado, ao contrário do círculo vicioso, é favorável.
São sempre as nossas ações que realimentam o ciclo, mas ele não é gerado ao acaso e também, embora muitas vezes possa parecer, não é infinito ou eterno. Conforme os interesses, as conjunturas e um sem número de outros fatores, são criadas correntes que eventualmente culminam em círculos que podem ser viciosos ou virtuosos, dependendo da mentalidade ou capacidade das pessoas que acabam envolvidas neles.
No ano de 2006 criamos a Associação Desafio ao observar que haviam muitos rachas de rua: Na época, assim como hoje, a maioria das pessoas via nesses rachas uma atividade de bandidos. Mas tivemos outro ponto de vista e achamos que eles representavam uma grande vontade das pessoas de competir com seus carros, não necessariamente de forma ilegal e que isso só estava ocorrendo desta forma por falta de opção.
Então, com o interesse único de incentivar a arrancada amadora, de dar a esse pessoal um lugar para competir fora das ruas, criamos a AD, oferecendo prêmios dos patrocinadores aos pilotos e oferecendo aos patrocinadores publicidade no carro de todos os pilotos participantes. Dessa forma acabamos dando início à um círculo: De um lado os pilotos, de outro os patrocinadores e no centro do círculo a arrancada amadora.
Nada aconteceu sozinho. No início houve resistência de ambas as partes mas aos poucos isso foi dobrado, conforme os pilotos iam vendo as vantagens de receber prêmios e reconhecimento público nos jantares de confraternização ao invés de serem perseguidos pela polícia. E os patrocinadores da mesma forma foram percebendo as vantagens de ter seu nome sempre na boca do pessoal mais ativo na comunidade onde eles comercializam seus produtos.
Mas apesar de genuíno, era ainda um círculo muito pequeno. Envolvia apenas os pilotos amadores e os patrocinadores. O porte mínimo do empreendimento não permitia que a realimentação entre ambos fosse poderosa o suficiente para funcionar sozinha. Isso nos exigiu muito esforço pessoal e sacrifícios.
Quando o número de pilotos ganhou corpo o círculo foi também adquirindo velocidade. Mais gente na ciranda implicava um maior interesse pela atividade e isso comprovava aos patrocinadores que seu investimento não estava sendo jogado fora. Mas francamente, naquela época a maioria de nossos patrocinadores éramos nós mesmos ou os amigos, que mais do que retorno para seu negócio, queriam ver a coisa acontecendo.
Porém, quando chegamos à um número de mais de 50 participantes, percebemos que a AD já tinha tomado um certo vulto, já que as provas de arrancada das quais participávamos em geral, sem nossa participação, giravam entre 60 e 80 carros. Havíamos nos tornado uma parte importante do total e o dinheiro das inscrições que cada um de nossos afiliados pagava aos organizadores não era mais irrelevante para eles.
Ao trabalharmos pelo nosso próprio círculo, acabamos gerando consequencias positivas para os organizadores de provas, que começaram a colher os frutos de nosso trabalho. No início ficamos muito animados com isso, pois agora que estávamos provando, evento a evento, que éramos viáveis, que já havíamos contribuído financeiramente sem nada pedir em troca e esperávamos ter no organizador de provas mais um parceiro poderoso para realimentar nosso círculo.
Com a participação ativa de um organizador de prova poderíamos chegar muito mais longe e atrair cada vez mais parceiros que se realimentariam mutuamente, tornando os ganhos exponenciais para todos os participantes.
Infelizmente os organizadores de provas não compartilharam da mentalidade do círculo virtuoso. Estavam atrelados a um sistema antigo e desgastado no qual a federação cobrava taxas compulsórias de todos, não retornava nenhum benefício e determinava, baseada em seus próprios interesses, como deveriam funcionar todos os eventos. Assim, tentaram redirecionar nossos esforços para um círculo vicioso, onde todo o ganho acabava sempre nas mãos dos mesmos poucos e nada retornava para a fonte. A longo prazo, era uma sentença de morte para a AD e um atraso incomensurável para a arrancada amadora.
Conforme cada organizador ia pisando na bola conosco, procurávamos outras saídas, outras provas, outros organizadores para levarmos nosso círculo, nossos afiliados e o dinheiro das inscrições. O que pedíamos em troca: Apenas participar, sem nenhuma regalia, como qualquer outro piloto.
Peregrinamos do Sambódromo de Porto Alegre ao Velopark em Nova Santa Rita, passando pelo Metropolitano em Tarumã, Arrancada Cup em Santa Cruz do Sul e Street Rules Day em Guaporé. Em todo o lugar onde fomos os organizadores sempre tiveram a mesma postura: Fechar o círculo em si mesmos e lucrar com nossos afiliados, sem devolver nada ao círculo. Transformaram nosso trabalho em um círculo vicioso, no qual não importava o que se fazia o resultado era sempre o mesmo: Todos contribuíam e uma única parte se beneficiava dos esforços do grupo, sem nunca realimentar o círculo. E como no círculo vicioso clássico, ao quebrarem a cadeia o evento não crescia. E usavam esse argumento para justificar que não valia à pena investir no que organizávamos, pois o retorno que trazíamos não era viável.
Assavam a galinha, comiam sozinhos e depois nos culpavam por não terem mais ovos.
Mas recentemente as coisas mudaram mais uma vez, quando o Velopark decidiu que o Open Day, evento do qual participávamos, seria realizado numa terça feira à tarde, em apenas 201 metros, o preço de inscrição seria aumentado para R$100,00 e as puxadas seriam divididas em categorias. Era a exata antítese de tudo que sempre pedíamos quando nos reuníamos com eles. Não conseguimos ver justificativas razoáveis nessas determinações, assim tudo aquilo foi considerado pelo grupo como sendo, no mímimo, uma grande falta de consideração com quem sempre apoiou e promoveu o empreendimento, desde antes mesmo de sua inauguração. Não importava mais o que um ou outro pensava, pois o grupo todo se sentiu menosprezado e traído. A insatisfação com o Velopark, que já era crescente, chegou a um ponto crítico.
Ao mesmo tempo em que isso ocorria, apareceu em um dos jantares de confraternização da AD o Darci Júnior, representando o Racha Tarumã. Ao final do jantar ele subiu no palco, pegou o microfone e começou a falar coisas como: "Fiquei impressionado com a organização de vocês" ou "Seria uma honra para nós recebê-los no Racha" e "Podemos providenciar um sistema de cronometragem para viabilizar a participação de vocês".
Foi o suficiente. Se a pista não era nem parecida com a do Velopark, o reconhecimento e a humildade com que a equipe do Racha se apresentou para nós, nos procurando, nos convidando e dizendo que estavam dispostos inclusive a investir na infra-estrutura da prova... Bem, tudo isso também era muito diferente. A principio parecia que era até bom demais para ser verdade. Mas a humildade denota grandeza e apesar de sempre cético, eu vi ali boas perspectivas de futuro.
E o tempo trouxe os resultados da parceria AD-Racha Tarumã, as "Noites do Desafio". Esses resultados foram simplesmente impressionantes. Recordes de número de carros, de qualidade dos participantes, de público e até mesmo dentro da pista.
Mas nada disso ocorreu por acaso. Marcio Pimentel, o administrador do Autódromo de Tarumã mostrou que sua atitude ia além do discurso e investiu mesmo na compra de um equipamento de cronometragem, coisa inédita nos 13 anos do Racha. A palavra "parceria" foi levada a sério e a AD participou ativamente da organização da prova enquanto a equipe do Racha ofereceu a infra-estrutura do evento. As inscrições para os pilotos da AD foram franqueadas. Até mesmo nos anúncios do rádio a AD recebeu crédito e teve papel ativo.
Após os estrondosos resultados da primeira prova, Pimentel sentiu que estava em um bom caminho e investiu ainda mais: A cronometragem que havia sido um dos problemas da ND1, agora seria resolvida através da convocação de Jaime Kopp, referência nacional no assunto. Tudo o que funcionou continuaria igual e agora a organização investiria também em parceria com a AD no tratamento de pista. Os pilotos receberiam prêmios em dinheiro e o mais importante: Seria lançada uma revista, a "Acelera!", com o objetivo de valorizar as conquistas dos pilotos e da comunidade que participam do Racha Tarumã, espalhando-as com orgulho para fora desse círculo.
Tudo isso foi levado à cabo e conforme o esperado os resultados foram novamente excepcionais. Mais público, mais organização e o número de pilotos teve de ser limitado. A repercussão foi enorme mais uma vez e além da prova, a revista Acelera também tem sido um sucesso por todo o país, com suas versões impressa e virtual.
Com isso o Racha Tarumã saiu ganhando muito mais do que todos os outros organizadores com quem trabalhamos até hoje, pois abraçou a idéia do círculo virtuoso. Devolveu ao círculo a energia que dele recebeu e não deixa de ser irônico que aquele que mais deu, foi também o que mais recebeu.
Mas o mais importante é que a partir daí, o círculo se renovou: Novos pilotos conheceram o evento, se empolgaram em tirar os carros da garagem e participar. Levaram para as oficinas de preparação, lotaram as lojas de performance da área, fizeram fila para testar no dinamômetro de rolo, compraram mais lanches, mais camisetas, lotaram as arquibancadas e com isso trouxeram ao círculo a possibilidade de angariar mais patrocinadores.
Os meios de comunicação estão cada vez mais interessados no evento e isso faz com que a arrancada transcenda aos poucos seu pequeno mundinho fechado e se torne um esporte de apelo para um grupo demográfico mais amplo. Todo esse frenesi atrai mais pilotos ainda e olhando de fora não há mais como saber onde o círculo começa e onde ele termina. Foi para isso que sempre trabalhamos e nos traz grande satisfação ver o mercado se aquecendo dessa maneira.
Todo esse mercado ainda é apenas um embrião, uma simples amostra do que ele pode se tornar num futuro não tão distante. Este é um momento de plantar e não apenas colher. Assim, todos sairão ganhando, mas o maior beneficiado será o esporte.
Belo texto meu bruxo. Tamo junto e misturado, sempre sempre!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirE agora? O leão não é mais um gatinho inofensivo. Ele está crescendo e causando tumultos pela cidade, deixando todos com medo e apavorados. Na verdade, ele só quer mais comida para seguir crescendo em paz...
ResponderExcluir