sábado, 7 de fevereiro de 2009

O ultimo projeto do Commendatore.


Na década de 80 muitas coisas estavam ocorrendo no mundo do automobilismo. A mais notável delas talvez tenha sido a ascenção meteórica do famoso Grupo B de rali da FIA, onde corriam protótipos, em sua maioria derivados de automóveis de linha. Marcas como Audi, Lancia, Peugeot e outras destacaram-se nessa competição brutal com carros conceitualmente inovadores.

A Audi foi a primeira a se destacar criando o famoso sistema Quattro de tração integral, ou seja: Tração nas 4 rodas para desempenho em alta velocidade. Utilizando um monobloco original de fábrica reforçado com estrutura tubular os projetistas criaram um dos carros mais célebres do rali até os dias de hoje. O motor era o famoso 5 cilindros VW/Audi, similar aos motores de carros como Audi S2 e RS2, bem como os atuais Jetta. De fato, quando em configuração 2,2 litros, eram praticamente o mesmo motor AP 1.8 da vw, compartilhando inclusive medidas de pistão, biela e curso de virabrequim, exceto o pequeno detalhe de que possuía um cilindro a mais. Esses motores eram os mais potentes do grupo B e passavam facilmente dos 700 cv.

A Peugeot utilizou um conceito mais ousado e criou um 205 tubular com motor 2.0 16v turbo em disposição central traseira, com tração também nas 4 rodas. O motor era similar aos dos peugeot 306 S16, Citroen ZX Dakar e Xsara VTS, comercializados no Brasil até pouco tempo.


A Itália combatia os alemães e franceses com os Lancia: Primeiro o 037 Monte Carlo, um tubular com motor central, tração traseira e compressor mecânico e depois o descomunal Lancia Delta S4 integrale, que era um tubular de tração nas 4 rodas, com motor central traseiro e sobrealimentação dupla: Usava ao mesmo tempo um compressor mecânico para obter torque alto e linear a baixas rotações e um turbo grande para fazer o motor 1.8 16v de origem Fiat (similar aos do tipo sedicivalvole lançado no Brasil na decada de 90) gerar potências acima de 600 cv. Dizia-se que esse carro podia acelerar de 0-100 em 2,3 segundos.

Por sua inovação tecnológica e conceitual esses carros com motorizações "humildes" de 4 cilindros estavam no topo da categoria de maior sucesso do automobilismo mundial e as super fábricas decidiram tentar uma virada. A Porsche saiu na frente e criou o hoje ícone dos anos 80, o 959 turbo. A Ferrari criou um protótipo em cima do seu supercarro da época, o 288 GTO, ao qual batizou de 288 GTO Evoluzione.

Porém em 1986, após uma sucessão de acidentes horríveis que vitimaram pilotos e espectadores a FIA resolveu extinguir o Grupo B no final da temporada daquele mesmo ano. Após a morte de seu piloto Henri Toivonen e navegador Sergio Cresto, que lideravam o campeonato, a Lancia abandonou a competição em sinal de luto antes mesmo do final da temporada.

A Porsche entretanto, já havia concluído seu monstro de 6 cilindros com dupla sobrealimentação por turbos sequenciais e tração nas 4 rodas e não tinha mais onde correr. Competiu e venceu no Paris-Dakar e resolveu lançar o carro para a rua.



Já a Ferrari, mais atrasada, não levou adiante o projeto do super 288 GTO e não foi daquela vez que os fãs viram um bólido da casa de Maranello acelerando em estradas de terra. Foram concluídos 5 protótipos do carro, mas com ênfase maior em corridas de circuito. Mas todos esses acontecimentos levaram o famoso "commendatore" Enzo Ferrari, à época já com 90 anos de idade a querer desenvolver um último projeto sob sua tutela: Um supercarro para as ruas, mas que revivesse os bons tempos da marca em competições, já que a imagem da Ferrari nesse aspecto estava um pouco desgastada. Ainda mais após o lançamento do 959 da Porsche, que fazia sucesso nas competições e também se tornava o sonho de todo menino fã de automóveis esportivos. A cada sucesso da Porsche, a Ferrari perdia para a marca de Stuttgart um pouco de
sua mística.

288 GTO de linha

Protótipo da 288 GTO Evoluzione
288 GTO Evoluzione: Qualquer semelhança com o F40 não é mera coincidência.

Tudo isso deveria ser feito até 1987, ano do quadragésimo aniversário da marca. Foi então que em cima dos conceitos da 288 Evo, surgiu um carro revolucionário e superlativo para os padrões da época: O famoso F40. Era completamente diferente de tudo que havia no mercado e o que seduzia de uma forma especial nesse carro não era o design, a potência e muito menos o conforto. A diferença era o CONCEITO, a idéia por trás do carro.



O F40 desde o momento de sua concepção foi criado como um carro de rua. Porém, a alma era de um carro de competições puro sangue. Seu motor era um V8 3 litros turbo, coisa raramente vista em carros da marca. Seu design era despojado, visando apenas a performance e o visual que resultou foi agressivo, mais bruto do que fluido. E seu conforto... Bem, o conforto era o mesmo de um fusca ano 1965.




O carro não possuía carpetes ou sistema de som. As janelas eram de plástico e nos primeiros modelos sequer haviam máquinas, para que pudessem ser roladas para baixo, abrindo somente pelo sistema corrediço usado em carros de competição. A carroceria era feita com materiais como fibra de carbono, kevlar e alumínio e quem já chegou perto de um desses carros, percebeu que os revestimentos externos são tão finos que é possível ver o tramado da fibra por baixo da pintura. E o toque final, talvez até a marca registrada desse conceito, é que o carro não possuía maçanetas internas e a porta era aberta somente ao puxar de uma cordinha...






O carro era um verdadeiro petardo. Logo de cara bateu o recorde de velocidade estabelecido para veículos de produção, sendo o primeiro a cruzar a mítica barreira das 200 milhas por hora. Sua aceleração era violenta mas sua frenagem também, assim como sua estabilidade. Apesar de não ser esse o intuito da fábrica, foi utilizado por particulares em corridas, por vezes até vencendo carros de corrida verdadeiros com o apoio de suas respectivas fábricas.


A Ferrari divulgou que seria uma edição limitada e o valor dos carros duplicava assim que saía da fábrica. Algumas histórias famosas envolveram personalidades da época, como o então presidente do Brasil, Fernando Collor, que dirigiu um exemplar pelas ruas em 1990, pouco antes de abrir a importação de veículos no Brasil e também o jogador de futebol Diego Maradona, que tentou comprar o carro mas foi rejeitado pela Ferrari e a única forma de finalmente conseguir colocar as mãos na "macchina", foi fazendo a compra através de seu irmão.

O carro ganhou seu lugar na história como último projeto de Enzo, criou na ferrari a tradição dos supercarros lançados a cada década, sendo "substituído" pela F50 e posteriormente pela Enzo no aniversário de 60 anos. Criou a tradição de que supercarros não seriam supercarros sem ter super desempenho e fixou a marca Ferrari no subconsciente de toda uma geração, como a fabrica que sabia fazer supercarros "de verdade", no sentido de que trazia a experiência pura, sem "frescuras" ou amenidades.

Durante muitos anos, todos queriam ter um F40, fosse num daqueles belos pôsters ou miniaturas da Bburago que marcaram época, no formato de um carrinho de autorama, radiocontrolado ou até mesmo transformando seu próprio carro em algo que se parecesse, mesmo que muito vagamente, um Ferrari F40.


Essas coisas todas me fazem pensar nos regulamentos da arrancada, que obrigam um carro verdadeiramente de corridas a utilizar equipamentos como vidros, peças em aço originais, forros de porta, laterais e painéis completos... E não satisfeitos com as categorias que já existem, querem com frequência que TODAS as categorias nas quais participam carros "de rua", sejam obrigadas a utilizar esses equipamentos.

Ao mesmo tempo em que a figura de Enzo Ferrari como um gênio da fabricação de carros maravilhosos é um consenso, essas mesmas pessoas renegam seu derradeiro conceito, que influenciou toda essa indústria durante os últimos 25 anos ou mais.

4 comentários:

  1. opa, a imagem q vc colocou como lancia delta, é na verdade um ECV, e a f40 é biturbo...

    e por fim uma frase de Enzo

    "se deus fosse um carro, seria uma f40"

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  2. Olá colega! Obrigado pela correção e peço desculpas pelo engano. É que o Protótipo ECV é de fato visualmente quase dêntico ao S4 (afinal, é um protótipo para o grupo S baseado no projeto do S4, com algumas modificações) e eu acabei me embanando aqui na hora de selecionar as fotos.

    Sobre o fato de ser biturbo, realmente, possui dois turbos. Mas isso é porque é um v8 com duas bancadas de cilindros, dois coletores de escape um de cada lado, logo a escolha mais sensata é a de dois turbos, como se fossem dois motores 4 cilindros. Entretanto, quando um carro é sobrealimentado com turbinas da forma convencional ou também chamado "twin turbo, ou "turbos gêmeos" (ao contrário de carros como por exemplo o 959)onde os turbos tem tamanhos diferentes, é convencionado chamar o carro simplesmente de "turboalimentado", não sendo necessário chamá-lo de biturbo como no caso da F40, de quadriturbo no caso do Bugatti Veyron.

    O fato de ser superalimentado com mais de um turbocompressor não significa que o carro seja melhor ou mais potente, sendo inclusive comum a substituição dos sistemas de turbos múltiplos por turbos simples em carros como Toyota Supra e Nissan Skyline.

    Obrigado pelo comentário e pelas correções!

    Abraços!

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  3. Ah, esqueci de dizer: Já troquei a foto pela correta. E para os colegas que quiserem ver o tal ECV, aqui vai um link em português contando um pouco mais sobre esse carro que possuía rodas de fibra e um cabeçote com o nada convencional sistema TRIFLUXO, no qual a admissão era por cima e haviam dois coletores de escape, um de cada lado, em um motor 4 cilindros convencional:

    http://direita3.wordpress.com/dossiers/bizarros/lancia-ecv/

    Abraços!

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