"Mas pra quem tem pensamento forte
o impossível é só questão de opinião
E disso os loucos sabem
Só os loucos sabem"
Antes de começar esse texto, gostaria de deixar bem claro que não me julgo louco, de forma alguma. Me vejo como uma pessoa normal, perfeitamente sã, mas que não tem medo dos desafios.
Entretanto, é bastante comum quando comento sobre as corridas com as poucas pessoas que conheço que não são desse meio, ouvir respostas e comentários do estilo: "Que horror!", "Não vejo sentido nisso que vocês fazem" "Que tremendo desperdício de tempo e dinheiro" "Isso não é coisa de adulto".
E as vezes afloram julgamentos até piores, que os autores não tentam conter, nem mesmo por educação ou polidez, pois não compreendem o quão reveladoras - e por isso mesmo ofensivas - são suas palavras acerca da idéia que fazem não somente da atividade, mas dos próprios praticantes.
Basicamente para a grande maioria das pessoas, essa atividade é perigosa, descabida e despropositada. E não faz sentido nenhum ainda ter de pagar caro para poder praticá-la.
Um bom exemplo disso é uma cena do filme Days of Thunder, no qual Tom Cruise é um piloto da NASCAR que se apaixona por sua médica, uma neurocirurgiã encarnada por Nicole Kidman. Entre os lençóis, o personagem de Cruise - Cole Tricke - diz que "corre para controlar o incontrolável". A personagem de Nicole - Dra. Claire - fica ao mesmo tempo encantada e confusa.
Em outra cena, os dois brigam quando Cole perde a paciência com um taxista e então a Dra. Clair o esculacha, deixando aflorar todo o seu preconceito:
"Control is an illusion, you infantile egomaniac. Nobody knows what's gonna happen next: not on a freeway, not in an airplane, not inside our own bodies and certainly not on a racetrack with 40 other infantile egomaniacs."
"Controle é uma ilusão seu egocêntrico infantil. Ninguém sabe o que vai acontecer: Nem numa estrada, nem num avião, nem dentro de nosso próprio corpo e muito menos numa pista de corrida com outros 40 egocêntricos infantis."
Cole Trickle e a Dra. braba no filme Days of Thunder
Essa passagem retrata bem a percepção que as pessoas desse mundo tem sobre a opinião de muitos setores de sociedade a seu respeito.Mas tenho observado com muita atenção os fatos que de alguma forma se relacionam com esse fenômeno e cada dia mais, tenho a certeza de que isso está errado, assim como a Dra. Claire também percebe, ao dobrar suas convicções e correr para recepcionar Cole após sua grande vitória em Daytona, sujando de graxa toda a sua roupa de médica e o próprio rosto, ambos imaculadamente brancos. Hoje vejo que aquela cena representa muito mais do que percebi na época.
Alguém pode dizer que essas coisas só acontecem em filmes... Mas eu discordo. Acho que a realidade supera em muito a ficção. E para provar isso, nada melhor do que alguém como Philippe Petit, que é em minha opinião o protótipo do "louco", visto por outros como um lunático egomaníaco e por si mesmo como alguém que acredita que o impossível é apenas questão de opinião.
Essas palavras ficam bonitas mesmo aplicadas à qualquer Zé-Bolha, mas tomam outra dimensão, quando o impossível tornado fato, é nada menos do que esticar ilegalmente e às escondidas, uma corda entre as duas torres a 420 metros de altura e caminhar sobre essa corda, confiando apenas em sua habilidade de equilibrista.
É isso mesmo. Petit embestou que seu sonho era caminhar no topo do mundo, numa corda-bamba esticada entre as duas torres do World Trade Center. Pegue uma pista de arrancada, coloque em pé e isso ainda não alcança a altura. E para dificultar ainda mais, tudo era totalmente ilegal. Até mesmo entrar no prédio era proibido para eles.
Mas desde o início Petit teve a ajuda de uma equipe formada por amigos ou pessoas que percebiam que apenas tomar parte naquela aventura já era algo que "oportunidade de uma vida", como disse o policial que foi mandado para tirar ele lá de cima e que simplesmente ficou observando Philippe caminhando no céu, fazendo de conta que iria se entregar e depois rindo e dando meia volta, em direção ao outro lado. Petit atravessou os 60 metros do vão entre as duas torres 8 vezes e ficou em pé na corda-bamba a 420 metros de altura, sem nenhuma rede de proteção durante 40 minutos.
Quando finalmente saiu, foi preso e levado para uma avaliação psiquiátrica num hospício.
Os repórteres todos lhe perguntavam a mesma coisa: "Por quê???"
Só os loucos sabem.
Entre os amigos de Petit na equipe, estava Jean-Louis Blondeau, que era algo como um "gerente geral de operações". Ele é quem tinha de brigar para que a equipe fizesse tudo certo, para conseguir o incrível feito logístico de chegar ao topo do maior edifício do mundo sem nenhuma autorização, simultaneamente nas duas torres, carregando cerca de 150 kg de equipamento. E sem chamar a atenção, na calada da noite esticar um cabo de 200 kg entre as duas edificações, de forma que fosse seguro para Petit caminhar e mostrar a sua arte.
Num certo ponto o cabo escorregou e caiu no abismo. Jean-Louis teve de puxar mais de 60 metros de cabo de aço, que ficaram pendurados entre os dois prédios. A tarefa era tão árdua, que seu comparsa simplesmente desistiu e deixou-o sozinho. Mas Blondeau não cedeu à dor e nem à exaustão e foi até o fim, puxou e amarrou os cabos para que Petit pudesse escrever um pedaço da história.
No documentário "Man on Wire", Blondeau tenta descrever o que aconteceu quando acabou de amarrar os cabos e Petit caminhou no céu. Lá estava um cara durão, capaz de arriscar a própria vida para puxar 200 kg de cabos de aço sozinho a 420 metros de altura... E sua reação foi simplesmente entrar em pranto, pois não interessava que como consequencias dessa proeza ele houvesse sido expulso dos EUA, que tivesse perdido o contato com seu amigo de infância, ou que tivesse ficado na obscuridade enquanto esse amigo virava a maior celebridade do mundo no ano de 1974.
Só interessava o feito. Era simplesmente mais do que dava para colocar em palavras. O que eles fizeram foi maior do que eles mesmos, do que qualquer ressentimento. Sem a menor dúvida, o ponto alto de toda uma vida.
E assim é com tantos outros "loucos" que atraem para junto de si equipes de amigos que, ao contrário do que seria normalmente aceito como bom senso, ao invés de condenarem e tentarem dissuadir seus amigos de idéias como surfar uma onda de 40 metros de altura, pular em queda livre de um avião para outro, saltar de pára-quedas e aterrisar dentro de um carro em movimento ou realizar um salto mortal de costas sobre um trem em movimento com um quadriciclo... Eles incentivam e de fato viabilizam essas proezas. Por quê?
Só os loucos sabem.
Não é fácil mesmo de explicar. Principalmente para quem não se identifica com isso de alguma forma. Mas nem todos os loucos são iguais. Ou ao menos igualmente insanos. Nem todo mundo tem capacidade, coragem ou mesmo vontade de caminhar numa corda a mais de 400 metros de altura. Mas proezas são sempre proezas e o que elas tem sempre em comum é o fato de justamente representarem a busca de algum limite. E cada um tem seu limite.
Desde a infância escuto histórias que meu pai me conta sobre a equipe de amigos que se formou para apoiar um então piloto de monoposto que tinha enorme talento, mas pouca estrutura. Os amigos então se juntavam para dar sua contribuição para colocar o carro no grid, ultrapassando as mais variadas dificuldades, enfrentando equipes profissionais e preparadores profissionais, apenas para fazer parte do feito. O cara tinha o talento e de alguma forma todos eles sentiam que somente por isso já valia o sacrifício. Se o piloto não era a pessoa mais agradável de se lidar, se eles mesmos da equipe não eram grandes amigos entre si, isso tudo se reduzia a pouco quando o carro cruzava a linha em primeiro. Essa hora justificava tudo.
Só os loucos sabem.
É fazer parte de algo maior do que si mesmo. E isso é uma coisa muito humana. Talvez mais humana que o próprio senso de auto-preservação. Se hoje somos senhores do conhecimento, da cultura, do planeta e subjugamos a natureza e as feras, ao invés de estarmos com medo escondidos no fundo de uma caverna, foi pura e simplesmente porque alguns seres humanos são dotados de uma incontrolável vontade de ir além.
Do que, não importa. Só interessa que estão programados para isso e dentro de seus próprios círculos eles se tornam as molas impulsoras do progresso e da evolução, seja construindo pirâmides, prédios, pontes e túneis, seja controlando o fogo, a água ou a eletricidade, ou atirando-se de aviões, surfando ondas gigantes ou acelerando carros de competição.
Nem todos são ou podem ser assim. Mas sem esses poucos loucos, o mundo não seria o mesmo.
E sempre que surgem pessoas com essa faísca de pioneirismo, de ousadia, inteligência, destreza ou qualquer outro tipo de talento, surgem também aqueles que de alguma forma compreendem a importância disso e não se importam em não serem os atores principais, contanto que também possam fazer parte da grande aventura que é simplesmente acompanhar aqueles que não conseguem se enquadrar nos moldes "normais".
Dizem que um louco reconhece o outro. Talvez seja precisamente esse o momento : Quando o impossível é para alguém, apenas uma questão de opinião.
O impossível sempre foi o maior imã de loucos que já existiu. Aceite os riscos, proponha-se ao impossível, convença as pessoas de que você está falando sério e você verá surgir apoio de lugares onde nunca imaginou.
Na verdade não precisa ser impossível. Proponha-se apenas a ser grande. Proponha-se tão simplesmente a fazer algo, arriscar-se em prol de um objetivo arrojado, mais do que a maioria das pessoas aceita arriscar-se por si própria. Isso basta. O mundo pode ser um lugar muito maçante e a adrenalina é o remédio mais antigo conhecido pelo homem quando a doença é o tédio.
Lembro ainda da primeira vez em que mexemos no carro de um amigo e fomos assistir o pega dele com outro carro lá no beco. Havia todo um ritual, que envolvia "intimar" o adversário, passar na frente do posto e dar uma "derretida" para ativar o fator psicológico, a ida de todos os carros para o local do pega, evitando atitudes chamativas para não atrair a atenção da polícia, estacionar o carro no local certo para escapar em caso de uma blitz relâmpago...
E depois aguardar na ponte ou na modacasa, escutando o som dos dois carros e controlando a ansiedade que crescia na mesma proporção em que os pares de faróis se aproximavam sem dar aquela certeza de quem vinha na frente, até o último segundo, quando os carros passavam zunindo a 200 por hora.
E depois aguardar na ponte ou na modacasa, escutando o som dos dois carros e controlando a ansiedade que crescia na mesma proporção em que os pares de faróis se aproximavam sem dar aquela certeza de quem vinha na frente, até o último segundo, quando os carros passavam zunindo a 200 por hora.
É um pico de adrenalina mesmo para quem só assiste, contanto que faça parte da "equipe". Contanto que haja algum compromisso de quem assiste, com quem corre.
Você duvida?
Assista então esse video, gravado pela equipe de Paulo Rebelo, que vinha de uma derrota para o Gol de Sergio Fontes no TOP16 anterior.
Só os loucos sabem desse segredo: Não é preciso acelerar para ficar com o coração na boca. Você só tem de colocar um pouco de si mesmo no carro. Você só precisa ser aceito na equipe a ponto de sentir-se vencedor ou perdedor junto com o carro e com o piloto. Só precisa estar lá para o que der e vier.
É por isso que corremos, é por isso que participamos de corridas. Sentimos que de alguma forma somos diferentes dos outros. Loucos se assim preferirem. Que seja! Mas há algo em nós que é seduzido talvez não necessariamente pelo perigo real, mas simplesmente pela paixão por fazer aquilo a que nos propomos, vencendo todas as adversidades. Apenas pela aventura, apenas pela proeza, apenas para escrever a história. Nem que seja um capítulo inesquecível da nossa própria.
E se isso envolve algum risco... Talvez seja esse nosso propósito no mundo.
Que texto, que momento. Sou louco com certeza! Tu também é! Ainda bem que existem loucos como nós!!!
ResponderExcluirHavia escrito um baita comentário sobre a postagem, mas o pc me sabotou!!!
Esta postagem vai para o meu blog!
Um grande abraço!