sábado, 7 de maio de 2011

A noite do Rato


Era uma vez, em 2005. As ruas de Porto Alegre estavam infestadas de rachadores, que pilouqueavam os mais diversos tipos de carros, desde originais dos pais, até os mais fortes quatro cilindros turbinados, V8 aspirados ou mesmo os melhores superesportivos que os filhos não tão pródigos da elite local pudessem oferecer.

Tínhamos rachas de turbos contra veoitos, volks contra chevrolet, fuscas contra gols, chevettes contra corvettes, carros contra motos, subarus contra voyages e o que mais você puder imaginar acontecia, logicamente sem regras. Botava do lado quem achava que dava e era isso.

Era uma época em que a cultura de carros fervilhava nas ruas, e que a galera corria na rua pelos mesmos motivos de sempre. Motivos que nos dias de hoje dificilmente podem ser justificados, exceto por um: De fato não havia opções alternativas para quem queria correr.

Esse caldeirão que misturava as diferentes ideologias das pessoas "envolvidas" acabou se transformando numa panela de pressão, que resultou logicamente em acidentes, mortes, mídia negativa e combate aos rachas por parte das autoridades. Isso tudo reduziu muito os pegas.

Tudo que ocorreu foi um passo necessário para a evolução e ao mesmo tempo também acabou resultando numa cultura de corridas alternativa, sem regras, que hoje começa a ser identificada pelo termo OUTLAW. Claro que ainda existe gente acelerando na rua de Porto Alegre e a grande verdade é que provavelmente isso jamais vai acabar. Mas a importância cultural dos pegas de hoje é bastante inferior ao que já foi. Hoje em dia um cara que se preza nesse meio tem que ter a coragem de ficar frente a frente com o pinheirinho.

Mas naquela época haviam os pegas. No beco, no aeroporto, no porto seco, no palácio do x... Mas o beco era, como diria um mecânico amigo meu: "o auge". E lá, entre pegas inesquecíveis e desimportantes, várias pessoas escreveram alguns capítulos de suas histórias, que em sua maioria só tinham importância mesmo para aqueles que estavam atrás do volante e talvez um pequeno grupo de amigos que iam lá para sentir a adrenalina e torcer pelo carro do seu camarada.

Dentre todos esses, um dos que mais me lembro foi o então conhecido como "acelera polêmico". Foi mais ou menos assim:

Influenciado por um dos apóstolos, Tupamaro havia comprado um Civic VTi modelo antigo. Logo descobriu que o umpontoseizinho era um pequeno diabo e que dava trabalho pesado para os dois litros. Assim, começou a "se envolver" na noite.

Papando alguns turbinhos mais fracos, alguns aspiradinhos e vários originais, o Rato - como era conhecido o carro - acabou encontrando dois rivais a altura.: O Sedici do Magro e VTS do Menudo. De início o Rato ganhava todas, mas aos poucos o Magro e o Menudo começaram a modificar seus bólidos, colocando filtro, escape, dosador, chip e etc. Até que chegou num ponto onde todos já tinham certeza de que o Rato haveria de ficar para trás.

Com os "ups", o VTi certamente também atingiria melhores performances, coseguindo encarar o Sedici e o VTS. Mas havia um problema: Nosso herói Tupamaro estava curto de caixa e não tinha a grana para fazer os "ups" no Rato. Cientes desse fato, seus adversários começavam a pressioná-lo, em certas ocasiões, publicamente. E nosso amigo Tupa era obrigado a abaixar a cabeça, dar desculpas e não topar o acelera.

Essas ocasiões foram se repetindo e os adversários ficavam cada vez mais confiantes e pressionavam cada vez mais o Tupa para que colocasse o Rato no beco, mas ele firme negava o pega com a justificativa de que não era mais necessário acelerar com eles, pois já havia lhes dado pau e afinal, pai é pai, não é padrasto. Mas no fundo todos já sabiam que se o Rato fosse pro pega, ia voltar com a bunda vermelha do espanco.

Até que numa dessas noites de quinta feira, o posto estava bombando. Tupamaro estava dentro da loja de conveniência, fazendo o lanchinho da madrugada. A loja é toda de vidro e Tupa vê chegar lá na rua um comboio de carros, à lá F&F e na frente vem o Sedici do Magro. Irado, o fino desce do carro e começa a gritar, da rua mesmo, para o Tupa dentro da loja:

"Hoje não tem mais desculpa! Tu vai ter que acelerar! Que que foi??? Tá arregando??? Tu sabe que vai tomar pau!"

Aquilo foi demais. A intimada foi brutal e na frente de todo mundo. Se o Tupa não aceitasse o desafio, iria ficar conhecido como O CAGALHÃO do VTi.

A conveniência virou a atenção de todos, que aguardavam o Tupa terminar de deglutir a última bocada de seu lanche, todos já preparados para a arregada monumental. Mas então, numa virada mais impressionante que a dos ciganos em "Snatch: Porcos e Diamantes" o nosso amigo Tupamaro pronuncia, tranquilíssimo, ainda limpando os farelos de empadinha da boca: "Ok então, se tu faz questão, vamos pro beco..."

UHHHHHHHH! A torcida fez o mesmo som que um estádio, quando o juiz marca a falta no limite da grande área.

Correria, função, todo mundo voando pro beco.

Lá a mesma baderna de sempre: Gente se batendo no caminho pro pega, macacada na ponte, pulando, louca pra nadar na lama do Dilúvio. Moda casa com uma cacetada de carros no oblíquo e a expectativa era grande. Os 3 alinhados: o Rato com o Tupa na pilota, o VTS do Menudo e o Sedici do Magro.

Largam. Primeira marcha é tudo meio parelho, se falta hp o Rato compensa no escalonamento. E de segunda e terceira é que vão falar os upgrades dos outros. Mas algo incrivelmente inesperado acontece e quando todo mundo esperava que o Rato começasse a ficar lentamente para trás, ele emite um som incrivelmente alto, e destracionando igual a turbo começa a abrir vantagem absurdamente. Não podia ser nada errado com os outros, afinal ambos andavam ali parelhos. Dificilmente os dois estragariam ao mesmo tempo.

Era o Rato mesmo que estava patrolando!

Chegando na modacasa o Tupa está vários carros na frente, passa dando aquele arromba e some da banda, pra nao aparecer mais naquela noite. A galera vai a loucura. Os oponentes descem dos carros batendo porta, ninguém sabe explicar o que houve. Até que um grita: "Ele tava com nitro!"

De fato, o Tupa já estava sentindo que os fatos se desenrolariam dessa forma e tratou de pegar emprestada com o Meu Dez uma garrafa de nitro. Montaram o kit na camufla e não falaram pra mais ninguém os sacanas! Ninguém sabia mesmo! Nem mesmo eu que já havia dado essa sugestão, sonhava que o carro estava nitrado naquela noite.

O resumo da ópera é que o Rato que já era meio capenga passou quebrado na moda casa. Queimou válvula e foi desmontado. Dali em diante virou projetão, nunca mais ficou pronto e a história virou uma lenda da noite.

Muitos reclamaram que não foi justo, que era sacanagem e toda aquela baboseira. Mas como todo mundo sabe, a única regra da rua é que na rua não há regras.

E aquela noite foi do Rato.

5 comentários:

  1. Muito boooa essa história..
    Daria um ótimo filme...
    Nem sei quem foi esse Tupa, mas já sou fã. hahahaha...
    Excelente narrativa.

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  2. Incrivel e por mais q o escritor saiba escrever e passar a emocao p/ os leitores nunca ira chegar nem perto do q foi aquela noite em Porto Alegre!!!!!

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  3. O "rato" Outlaw...

    Isso é o que mais falta na pista hoje.

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  4. Foi incrível relembrar desse episódio...
    E a riqueza de detalhes na interpretação, foi um show a parte...
    Muito boa essa História... Com "H" MAIÚSCULO!
    Se é que me entendem...

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  5. Excelente história! Sensacional!
    E muito bem feito, passou o salame e deixou os defunto para trás!!

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