domingo, 13 de março de 2011

Atrás das grades.



Nasci e cresci em Porto Alegre. Me criei desde cedo brincando solto na rua, com a gurizada da vizinhança. Tomávamos banho de chuva, jogávamos bola nas praças e com nossos carrinhos de lomba debaixo do braço, explorávamos os bairros próximos em busca de ladeiras com calçadas relativamente lisas, que riscávamos com as nossas rolimãs, à despeito dos protestos e ameaças dos moradores velhos e chatos que nos botavam para correr com seus xingões.

E o maior medo era justamente esse: Levar um xingão de um velhote mal-humorado. Saíamos e ficávamos horas na rua, com o único compromisso de voltar antes da noite cair. Não se falava em violência. Ao menos não dessa forma como a vivenciamos hoje, em que nossos comportamentos de auto-preservação não são mais regidos pelo bom senso, mas sim pela paranóia.

Eu cresci numa Porto Alegre diferente, sem grades, que infelizmente pertence a um mundo que não existe mais. Cada geração certamente tem suas desilusões em relação às consequencias que o progresso imprime na sua realidade. Só posso imaginar a decepção que foi para a geração dos meus avós, que passaram sua infância se banhando nos balneários do Guaíba, ao verem o avanço do progresso transformá-lo paulatinamente, ano após ano, no que hoje se tornou.

Da mesma forma, não importa o quanto me solidarize com a idéia, jamais conseguirei ter o mesmo sentimento de repúdio que teve a geração dos meus pais em relação ao muro da Mauá, que separou a cidade de seu rio e cuja polêmica até hoje é uma ferida aberta no inconsciente coletivo da cidade.

Mas eu, quando fecho os olhos e volto aos anos oitenta, não vejo as praias limpas do Guaíba ou um muro em lugar de um belo pôr do sol. Não me ressinto especialmente dos efeitos negativos do progresso sobre a natureza e também não me rebelo contra um muro que em grande parte simbolizava o autoritarismo de um governo. Por legítimas que sejam, essas não são as dores da minha geração.

Quando fecho os olhos e volto no tempo até minha infância, vejo uma cidade sem grades. Vejo a praça Dr. Maurício Cardoso, com suas fontes, espelhos d'água, córrego, peixes e até mesmo tartarugas, tudo isso num ambiente aberto.

Vejo os jardins de inverno de vários estabelecimentos comerciais como algumas agências bancárias ou a galeria Esplanada center, as belas casas com seus amplos jardins e gramados, todas elas sem grades. Ou mesmo as casas do meu bairro, com seus muros altos o suficiente apenas para conter seus cachorros pequineses.

Mas quando abro os olhos vejo nos noticiários propostas para cercar todo o Parque Farroupilha, praças e parques depredados, casas com grades de cadeia, placas com dizeres: "CUIDADO CERCA ELÉTRICA" ou aqueles "ouriços", que fazem com que a cidade tenha a aparência das praias da Normandia no Dia D.

Eu mesmo resisti até onde pude enquanto todos aderiam às grades. E isso implicou em ter por diversas vezes o desgosto de recolher pela manhã, todo o tipo de dejetos de dentro do meu pátio. Desde seringas e camisinhas usadas até restos de comida. O único quintal não cercado da rua virou também o banheiro dos cachorros dos vizinhos e dormitório de moradores de rua. Mas o pior mesmo era quando ocorria o inverso.

Sem falar é claro nos furtos e roubos que hoje em dia não se limitam apenas às roupas do varal e botijões de gás.

Não deixa de ser irônico que aqueles mesmos velhotes chatos que não tiveram infância e não nos deixávam andar em suas calçadas com nossos carrinhos de lomba hoje teriam muito mais medo de nós do que nós tínhamos de seus xingões. Acho que isso por sí só é um bom exemplo do tipo de inversão de valores que ocorreu nesses últimos vinte ou vinte e cinco anos.

A cidade está mais feia por causa das grades que foram sendo erguidas aos poucos. Lentamente fomos nos acustumando a elas, da mesma forma que o sapo escaldado do famoso ditado. Um belo dia acordamos e descobrimos que os ladrões estavam soltos na rua e nós presos, dentro de casa. É isso que as grades simbolizam e é disso que me ressinto.

3 comentários:

  1. É realmente difícil ver o que está acontecendo.

    Eu peguei o fim dessa "liberdade" no início dos anos 90.

    BH está a mesma coisa, depredação de patrimonio público e privado e falta de educação é lugar comum nas ruas...

    vemos isso também com insulfilm ULTRAESCURO nos carros... alguns bancos vão trocar todos os vidros transparentes da agencia por versões "foscas" para proteção....

    as pessoas cada vez mais se prendem e não conseguem perceber isso.

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  2. As tartarugas da pracinha!

    O pior de tudo isso, as grades só criam uma falsa segurança, pra entrarmos na nossa garagem é sempre um momento tenso, porque a grade que nos protege também pode nos deixar em uma situação sem saida e de risco.

    Muito bom o post Vicente.

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  3. Aqui no rio nem se fala ne, são grades pra todo canto, é terrivel viver assim, seria muito mais bonito sem ela, seria muito mais bonito ter segurança e pessoas de boa indole por todo lugar!
    Ótimo post

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